"O ativismo on-line é para preguiçosos", segundo Evgeny Morozov

Dá pra duvidar de que ele esteja certo? Fácil clicar, difícil agir! Texto original no site da Revista Época.

"O ativismo on-line é para preguiçosos"

O cético pensador radicado nos EUA diz que as campanhas da web não resolvem nada

Maurício Meireles

Salvem as baleias do Ártico e as crianças africanas. Petições assim circulam na internet em busca de apoio às causas mais diversas. Você pode jamais ter assinado uma delas – mas sua caixa de correio com certeza já recebeu inúmeras. A revolta virtual que motiva campanhas assim pode aliviar a consciência, mas não resolve nada. É o que afirma o pensador bielorrusso Evgeny Morozov. Pesquisador da Universidade Georgetown, nos Estados Unidos, ele até criou um termo para descrever as campanhas que tentam mobilizar as pessoas por meio da web. É o slacktivism (algo como ativismo preguiçoso, em português). Na opinião de Morozov, que defende suas ideias no blog Net.effect, essa onda contagia as pessoas que têm preguiça de se envolver em causas, mas são ansiosas por se sentir ativas.

ENTREVISTA – EVGENY MOROZOV

 Divulgação
QUEM É
Editor contribuinte da revista Foreign Policy e pesquisador do Instituto de Estudos Diplomáticos da Universidade Georgetown, em Washington, EUA
O QUE FEZ
Dirigiu a ONG Transitions Online, dedicada a promover a liberdade de imprensa nas ex-repúblicas soviéticas
O QUE PUBLICOU
Além de artigos em jornais como The New York Times, tem o blog Net.effect, no site da Foreign Policy

ÉPOCA – Que mudanças a internet trouxe para o ativismo?
Evgeny Morozov –
Ela reduziu muito os custos de publicação e tornou mais fácil encontrar apoio, mas isso não quer dizer muita coisa. Quem garante que esses apoiadores serão realmente úteis ou estarão dispostos a ir às ruas? Da mesma forma que a rede diversifica o ativismo, ela também sofistica a vigilância e o controle. Os protestos são identificados mais rapidamente, as autoridades também reagem com mais prontidão. No passado, os ativistas tinham de tomar cuidado com os canais usados para se comunicar. Hoje, a comunicação é feita em espaços públicos, como o Twitter e o Facebook. Não é que o ativismo on-line não possa ser eficiente, mas os protestos ficam prejudicados se o alvo souber tudo de antemão.

ÉPOCA – A campanha eleitoral de Barack Obama é apontada como um marco de ativismo on-line, com resultado concreto na vida real. Por que a mesma coisa não poderia acontecer em outros lugares?
Morozov –
Um dos principais erros cometidos por políticos e analistas é pensar que, se a tecnologia teve determinado efeito nos EUA, acontecerá o mesmo em qualquer lugar. É claro que, em democracias fortes, as campanhas de blogueiros podem levar o governo a mudar o rumo de suas políticas, mas isso só ocorre porque a sociedade civil usará seus meios para pressionar as autoridades. Em países como a Bielorrússia ou a Moldávia, a sociedade civil organizada nem sequer existe, porque a cultura democrática é frágil. O que funciona nos EUA não funciona na China. Na China nem há eleições.

ÉPOCA – Como você se interessou pelo assunto?
Morozov –
Trabalhei para a ONG Transitions Online, que promove a liberdade de imprensa na ex-URSS e no Leste Europeu. Comecei com um blog, cobrindo como a nova mídia modifica não só a política, mas a vida social e cultural de meu país, a Bielorrússia. Acabei diretor de novas mídias da ONG, o que me fez passar três anos viajando pela ex-URSS. Ensinava ativistas, jornalistas e políticos a usar a rede para atrair pessoas e conscientizá-las sobre as causas que defendíamos.

ÉPOCA – E por que se desencantou?
Morozov –
Em dado momento, eu me tornei cético. Como isso tudo iria gerar resultados? Resolvi ser mais realista, tentei entender se a web exercia real impacto sobre a democratização ou se ela deixava tudo mais lento.

ÉPOCA – O que mudou na forma como a censura funciona hoje?
Morozov –
Nosso pensamento sobre o controle da internet ainda é muito influenciado por George Orwell e seu livro 1984, que descreve um cenário de vigilância e censura totais em que as pessoas não podem fazer nada. Era assim que funcionava na ex-URSS, mas isso mudou. Passamos a um novo modelo de controle, bem mais articulado e sutil, que merece mais atenção nossa. No modelo atual, o bem-estar da população mina o engajamento político. Um regime pode oferecer à população uma boa vida sem necessariamente promover liberdade democrática. É o caso da China. Ouvimos falar de protestos, mas o fato é que a maioria está satisfeita com o crescimento econômico do país nas últimas décadas. Então, que papel a internet cumpre lá? Um papel de domínio, porque o sistema de controle chinês tem a ver com a meta da China de viabilizar o entretenimento para todos.

"A campanha ‘Salvem As Crianças Africanas’ tem 1,5 milhão de pessoas
no Facebook e só juntou US$ 10 mil. Esses ativistas não têm foco"

ÉPOCA – Mas a China agora vai censurar mensagens de texto de celulares. Não é uma volta a um modelo antigo de controle?
Morozov –
Nem os chineses podem controlar completamente a internet. A censura encoraja as pessoas a se comunicar de forma mais ativa, porque custa pouco dinheiro e esforço para espalhar uma mensagem. É o “efeito Streisand”: a Barbra Streisand processou um fotógrafo para impedir que uma foto de sua casa de praia fosse publicada. De lá para cá, a foto é a primeira que aparece quando se busca o nome da cantora no Google Imagens. É claro que a China pode censurar informações, mas a principal questão é: isso ainda é útil?

ÉPOCA – O caso das eleições iranianas, em que o Twitter teve papel fundamental nos protestos, não é uma prova de que a tecnologia promove reações?
Morozov –
Sou cético quanto ao papel do Twitter nisso tudo. No caso iraniano, é difícil dizer se a tecnologia foi a força motora das manifestações ou se foi o pano de fundo. Numa situação como aquela, é natural que se queira registrar o que está acontecendo. Mas falta embasamento à ideia de que a tecnologia leva as pessoas a se rebelar, a organizar uma revolução.

ÉPOCA – O levantamento de fundos para campanhas humanitárias não é um ponto a favor do ativismo on-line?
Morozov –
Se o ativismo on-line fosse voltado apenas para levantar fundos, eu seria seu defensor. Mas sua razão de ser hoje é a assinatura de petições e a participação em comunidades do Facebook. É preciso participar da vida política se quisermos mudanças. Meu problema com o ativismo preguiçoso (o slacktivism) é que ele não tem foco. A comunidade “Salvem as crianças africanas” do Facebook tem 1 milhão e meio de pessoas e só juntou US$ 10 mil, menos de 1 centavo por pessoa. Se o foco deles fosse conseguir dinheiro, eles poderiam ser eficientes. O problema é que eles fazem um zilhão de coisas, todas elas muito mal.

ÉPOCA – Como resolver esse problema?
Morozov –
É necessário que jornalistas e intelectuais lidem com essa questão de forma mais crítica. A maior parte das pessoas envolvidas no ativismo on-line tem vivência zero em estratégias tradicionais. Elas pensam com uma experiência tecnológica e acham que vão mudar o mundo com alguns algoritmos. Falta perspectiva histórica e política para trazer profundidade intelectual ao debate. Precisamos levar em conta como a tecnologia já foi usada. Devemos lembrar de Ruanda, em que duas rádios serviram para incitar um genocídio.

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