Dá, sim, pra combater a violência – o exemplo de Seattle

Excelente matéria de Andres Vera para a Revista Época mostra que existem caminhos para combater à violência. E o melhor, eles surtem efeitos no curto prazo. Mas, no Brasil, parece que ninguém tem interesse em desativar a Indústria da violência. No penúltimo parágrafo um recado claro aos loucos que dedidiram iniciar uma guerra sangrenta de combate ao tráfico no Rio baseada somente no enfrentamento e sem nenhuma estratégia.

Segue um resumo da matéria. Leia a íntegra no site da revista.

Nas duas últimas semanas, os governos de São Paulo e do Rio de Janeiro divulgaram dados sobre violência em seus Estados.  Para a Organização das Nações Unidas, os números mostram que há uma “epidemia” de violência no país. Tratar a segurança como uma epidemia é exatamente a proposta da prefeitura de Seattle, nos Estados Unidos. O índice de homicídios da cidade, de 3,5 por 100 mil pessoas, nunca chegou a assustar. O problema ali era outro: as gangues de rua e a quantidade de crimes sem solução não paravam de crescer. Em 2008, um estudo mostrou que cerca de 200 gangues atuavam simultaneamente nas redondezas pobres e nem tão pobres da cidade. Em 2008, cinco adolescentes foram assassinados a tiros. Nenhum caso foi resolvido. Para a polícia local, era o reconhecimento do fracasso. O caso chamou a atenção dos criminologistas americanos. Para a prefeitura, que é a responsável pelo policiamento nas cidades americanas, era a hora de apostar numa abordagem mais radical. Havia tanta gente envolvida com o crime que parecia quase impossível deter o ciclo de violência investindo apenas na repressão policial.

Dois especialistas em violência, com duas estratégias diferentes, foram convocados para propor a melhor solução para o flagelo da cidade. De um lado, o médico Gary Slutkin, da Universidade de Illinois. Do outro, o criminologista David Kennedy, diretor do Centro para Prevenção e Controle do Crime, da City University de Nova York. Os dois estão entre os maiores especialistas em violência dos Estados Unidos e fundaram programas antiviolência com o mesmo nome: Cease -fire (“cessar-fogo”, na tradução do inglês). Cada um levou sua proposta para Seattle. E a prefeitura decidiu pôr ambas em prática.

Gary Slutkin prefere tratar a criminalidade como uma doença contagiosa. Kennedy aposta na ação imediata da polícia e na atuação persuasiva de membros da própria comunidade, que podem passar o recado preventivo aos bandidos. Enquanto a prefeitura pensava em como dividir o orçamento de segurança, houve um intenso debate sobre como encarar o crime nos Estados Unidos. Em comum, as estratégias de Slutkin e Kennedy têm o mesmo foco: investir na prevenção. Ambos os métodos se valem de “moderadores” para fazer uma ponte entre a gangue e a polícia. Membros da comunidade, devidamente orientados, devem se aproximar dos bandidos, de suas famílias e amigos para dizer-lhes que devem se afastar do crime – pelo bem ou pelo mal.

Slutkin chama os mediadores de “interruptores da violência”. O objetivo é cortar a rede que levaria o indivíduo de um crime a outro. “Você deve mudar o comportamento do criminoso para bloquear a transmissão da violência”, diz Slutkin, epidemiologista que migrou para o campo da antiviolência. Em 2000, no primeiro ano de funcionamento do Projeto de Intervenção da Violência em Chicago, o número de homicídios na cidade caiu 60%.

A estratégia de David Kennedy também adota o método da mediação, mas reforça antes o papel da polícia na identificação dos responsáveis pela maioria das mortes, tentativas de assassinato e tráfico de drogas. Geralmente ex-criminosos que conhecem bem o “código das ruas” são instruídos a transmitir os recados da polícia aos bandidos. Se os infratores, monitorados, não exibem nenhuma demonstração de recuperação, a polícia entra em ação. Em Boston, durante 18 meses de duração do programa, o número de mortes violentas entre os jovens com menos de 17 anos caiu para zero. Seattle escolheu o método de Kennedy, mas incluiu no programa as estratégias de Slutkin.

As cidades que experimentaram os programas de Kennedy ou Slutkin descobrem uma verdade por muito tempo ignorada: a prevenção tem um peso mais importante do que se supõe nas políticas de combate ao crime. Para Gary Slutkin, a coesão das favelas brasileiras e a grande interação entre seus moradores podem criar boas condições para “uma corrente antiviolência” e justificam o investimento tanto na prevenção como na repressão. “É inútil achar que invadir um morro do Rio de Janeiro sem uma boa estratégia dará certo a longo prazo”, diz o coronel da reserva José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública. “A polícia brasileira continua falhando em investigação e prevenção.”

Outra conclusão das experiências americanas: reagir ao crime com força e imediatamente não é o suficiente para evitar novos crimes. Adotada por muito tempo como modelo de propagação do comportamento violento, a “teoria das vidraças quebradas”, dos criminologistas americanos George Kelling e James Wilson, concluía que o vandalismo de quem quebra um vidro desemboca em destruição ainda maior. Mesmo depois que essa estratégia foi posta em prática, os Estados Unidos continuaram com taxas de homicídio incompatíveis com um país desenvolvido. A novidade que Kennedy e Slutkin trouxeram é reveladora: não basta consertar a janela quebrada com rapidez, é preciso convencer o infrator a não quebrá-la.

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