Mais um brasileiro brilhante – quando vamos investir em pesquisa?

As duas matérias a seguir mostram dois aspectos interessantes do mundo nesses dias. Na primeira (Época, pasa assinantes), uma médica brasileira de apenas 32 que está ajudando a mudar a história das transfusões de sangue no mundo. Na seguinte (NYT na Folha, para assinantes), uma China ávida por assumir a liderança das patentes. E para isso, muito dinheiro vai caminhar para pesquisa. E o Brasil? Bem, o Brasil continua míope para a necessidade de investir em Educação. Sobram vagas com alta qualificação. Devemos hoje ser o maior caso de desperdício de pleno emprego no mundo…


Menos sangue, por favor

Uma jovem cardiologista brasileira demonstra que transfusões podem trazer mais riscos que benefícios. Quem, afinal, deve recebê-las?

Cristiane Segatto

Ludhimila

EM CASA
Ludhmila na UTI cirúrgica do InCor, em São Paulo. O estudo que ela realizou com 512 pacientes mudou o comportamento dos médicos

A goiana Ludhmila Abrahão Hajjar nunca teve dúvidas sobre sua vocação. Aos 7 anos, pediu um esqueleto de presente. Aos 8, um kit para simular pequenas cirurgias. “Quando alguém se machucava, eu corria para ver o sangue”, diz. Aos 17, já cursava medicina na Universidade de Brasília. Agora, aos 32, já reconhecida como profissional, está desafiando uma das práticas mais arraigadas entre os cirurgiões. E, de novo, o motivo de sua inquietação é o sangue. Mais precisamente o excesso de transfusões de sangue. Quando alguém precisa passar por uma cirurgia demorada (acima de três horas de duração), quase sempre recebe uma transfusão de sangue. O objetivo é compensar a perda sanguínea que ocorre durante o procedimento. As transfusões são muito comuns em cirurgias cardíacas como ponte de safena, troca de válvula e transplantes. Se a quantidade de hemoglobina (proteína responsável pelo transporte de oxigênio para os tecidos) cai a níveis inferiores a 10 gramas por decilitro de sangue, o cirurgião pede uma transfusão. Os médicos não se perguntavam de onde havia saído esse limite. Ludhmila, porém, decidiu investigar o procedimento em seu doutorado, orientado por José Otávio Auler Jr., na Universidade de São Paulo. Descobriu que ele se justifica pela tradição – e não pelo embasamento científico.

A história é antiga. Em 1934, o americano John Lundy criou na Clínica Mayo o primeiro banco de sangue do mundo. Em 1942, ele propôs o limite de 10 g/dL baseado na observação de seus pacientes. Desde então a recomendação vem passando de geração em geração. “Não podemos continuar fazendo medicina em 2011 baseados num relato de 1942”, afirma Ludhmila. Para colocar a recomendação à prova, ela realizou um estudo com 512 pacientes do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo. Eram doentes graves, com perfil semelhante (tinham diabetes, hipertensão, insuficiência cardíaca), que foram submetidos a cirurgias cardíacas.

Metade do grupo recebeu sangue quando o nível de hemoglobina caiu a 10 g/dL. A outra metade só passou pela transfusão quando o índice ficou abaixo de 7 g/dL. O que ela comprovou? Os doentes que receberam menos sangue se recuperaram tão bem quanto os que receberam mais sangue. Uma segunda comparação (pacientes graves que receberam sangue versus pacientes que não receberam sangue, por estar com índices entre 7 g/dL e 10 g/dL) revelou que a transfusão aumenta em 20% a taxa de mortalidade e de complicações clínicas a cada bolsa de sangue recebida. Ficou a impressão de que quanto menos sangue se receber, melhor.

O trabalho foi publicado em outubro no Journal of the American Medical Association com elogios no editorial. “Esse estudo é uma adição notável às evidências anteriores”, escreveu Lawrence Tim Goodnough, da Universidade Stanford. “Elas sugerem que reduzir ou evitar as transfusões em pacientes cardíacos melhora o resultado do tratamento.”

O excesso de transfusões acarreta três graves problemas. O primeiro é o risco de que o sangue esteja infectado por bactérias ou vírus. Nem todos os bancos fazem o teste rápido do HIV. Se o doador estiver na janela imunológica (período que o organismo leva, a partir de uma infecção, para produzir anticorpos que possam ser detectados por exames), o paciente poderá ser infectado. Também poderão ocorrer disfunções vasculares ou inflamações no pulmão. O segundo problema está relacionado aos custos. Uma bolsa de sangue com 350 mililitros custa de R$ 300 a R$ 800. A maioria dos pacientes recebe de duas a três. Se o doente passa mais de sete dias no hospital, costuma receber pelo menos uma bolsa para compensar o sangue perdido em sucessivas coletas para exames.

O terceiro problema é a falta de doadores. Sangue é um artigo raro, que não deve ser desperdiçado. “Não pretendo dizer que agora é proibido transfundir”, diz Ludhmila. “O importante é que o médico decida dar o sangue a partir da avaliação individual da condição do paciente, e não baseado num número mágico.” Uma pessoa com infarto agudo ou em choque (estado anormal de falta de oxigenação nos tecidos, que pode ser fatal) pode se beneficiar de sangue numa fase mais precoce.

“Não podemos continuar fazendo medicina em 2011 baseados num relato de 1942”, diz Ludhmila“Não podemos continuar fazendo medicina em 2011 baseados num relato de 1942”, diz Ludhmila

No InCor, o trabalho de Ludhmila já mudou o comportamento dos médicos. “Nossa conduta agora é evitar a transfusão”, diz Noedir Stolf, chefe do departamento de cirurgia cardíaca. Nas últimas décadas, Stolf realizou mais de 300 transplantes de coração. Segundo ele, a ideia de evitar as transfusões não é nova. “Nenhum outro estudo, porém, havia chegado a conclusões sólidas como esse.”

O estudo repercutiu rapidamente entre os médicos estrangeiros. Ludhmila foi convidada a dar uma aula no Congresso da American Heart Association. Também deu palestras pela webcam para médicos da Universidade de Washington e Universidade de Michigan. Seu maior incentivador foi o cardiologista Roberto Kalil Filho, que cuida da saúde dos mais importantes figurões da República. “Ele sabe tudo de medicina”, diz a médica. “Quando eu estava na residência, foi ele quem me mandou fazer a pesquisa.”

A moça que saiu de Anápolis para perseguir o sonho de ser médica (a contragosto do pai fazendeiro) não faz outra coisa da vida. Coordena a UTI cirúrgica do InCor e a UTI cardiológica do Sírio-Libanês. E também a UTI do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. Mora sozinha e não tem namorado: “A coisa não vai para a frente. Ninguém aguenta o meu celular”. Ela é de poucas vaidades. Uma vez a cada quatro meses a mãe vem de Anápolis decidida a arrastá-la até o cabeleireiro. Consegue, mas logo o celular toca.


China estimula inovação e patentes

Governo quer 2 milhões de patentes, em áreas como energia solar e eólica, telecomunicação, baterias e carros. País quer deixar de ser fábrica de cópias; empresas prolíficas em registros ganham prêmio e isenção fiscal.

STEVE LOHR (O "NEW YORK TIMES")

A China tenta construir uma economia que dependa da inovação, e não da imitação. Seus líderes reconhecem que ser a oficina de baixo custo da economia mundial para a montagem dos produtos inovadores projetados em outros países -o iPad e outros bens de alta tecnologia servem como exemplos- é um método limitado.

Um recente documento governamental contém metas para elevar drasticamente a produção nacional de patentes. Publicado em novembro pelo Serviço de Propriedade Intelectual da China, tem o título "Estratégia Nacional para Desenvolvimento de Patentes (2011-2020)".

A meta chinesa para o número anual de patentes solicitadas até 2015 é de 2 milhões. O número inclui "patentes de modelos de utilidade", que tipicamente envolvem detalhes de engenharia de um produto, e são menos ambiciosas que as "patentes de invenção".

Em 2009, cerca de 300 mil solicitações de patentes de utilidade foram apresentadas na China, total mais ou menos semelhante ao das patentes de invenção, que nos últimos anos vêm crescendo em ritmo mais rápido que as primeiras.

ACELERAÇÃO

Em outubro, a Thomson Reuters lançou um relatório em que previa que a China ultrapassaria os Estados Unidos em número de patentes solicitadas já em 2011. "Está acontecendo mais rápido do que antecipávamos", afirma Bob Stembridge, analista de propriedade intelectual na Thomson Reuters.

O documento indica, por exemplo, que a China pretende em geral duplicar seu número de analistas de patente, para 9.000, até 2015 (nos EUA, eles são 6.300).

A China também deseja dobrar o número de patentes que seus habitantes e empresas solicitam no exterior. Segundo o diretor do Escritório de Marcas e Patentes norte-americano, David J. Kappos, as solicitações chinesas recentes nos EUA são principalmente em áreas que a China declarou prioridades industriais, entre as quais energia solar e eólica, tecnologia da informação e telecomunicações e fabricação de baterias e automóveis.

A China introduziu diversos incentivos. Eles incluem bonificações em dinheiro, melhores acomodações para as pessoas que solicitam patentes e isenções tributárias para as empresas prolíficas na produção de patentes.

A estratégia é orientada e patrocinada pelo Estado.

Isso deveria preocupar os EUA? "A esta altura, é uma abordagem de força bruta, enfatizando a quantidade de ativos de inovação, e não sua qualidade", afirma John Kao, consultor empresarial e governamental de inovação.

A China, diz Kao, não só é muito maior que o Japão mas também uma sociedade mais empreendedora em termos individuais. Ele prevê que um dia empresários chineses desempenharão o mesmo papel de Steve Jobs e Mark Zuckerberg (criadores da Apple e do Facebook).
Kao afirma, porém, que os EUA estão em vantagem comparativa porque são o país mais aberto a inovações.

"A cultura norte-americana, mais que qualquer outra, perdoa fracassos, tolera riscos e abraça a incerteza." "Mas o futuro dos EUA está em orquestrar e em servir como integradores de sistemas", diz Kao. "Veja o Vale do Silício. É um lugar onde pessoas inteligentes de todas as nações e todos os grupos étnicos se unem. É a capital da inovação integrada."

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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